A Ironia do Destino
ouviu. O que sei é que ele ficou pregado ao chão a olhar para ela. Ela não olhou para ele,
nem o ouviu. Ignorou-o. Talvez não de propósito, mas ignorou. Ele sentiu-se mal, mas tentou
não ligar muito a isso, e continuou o seu caminho para casa. Nã foi o caminho que
imaginara, pois a última imagem que vira não havia sido a sua cara como imaginou, e quis
ouvir uma palavra dela, mas não a recebeu. A última coisa que teve antes de ir embora, foi
a sensação de ser invisível. Entristeceu-o. Em casa ele chorou, mas não pensou que ela o
ouvisse ali. E gritou o nome dela vezes sem conta, mas não teve resposta, como o previra.
Pensou que no dia seguinte, tentaria de novo. Ela havia de o ouvir, e havia de o ver. Teria
que reparar na sua vaga existencia, quer quisesse, quer não. Ele existia para ela. Não
existia para mais ninguém. A sua razão de viver haveria de dar conta dele. Ou seria
ridiculo ele existir. No dia seguinte ele olhou-a vezes sem conta. Ela não olhou uma única
vez. Ele pensou no mal que fizera a Deus para Este o tratar assim. À saida, ele gritou o
nome dela outra vez. Ela ouviu, mas não reparou nele. Ou não quis reparar, não vos sei
dizer bem. Nem vos poderia dizer. Ele sentiu o que sentiu e mais ninguém sabe o que foi.
Apenas ele. Ela terá ouvido? Ela lá o sabe. Ele voltou para casa, triste, mas com a imagem
na cabeça. Contudo, a voz dela não ressoava na cabeça dele, como ele queria. Apenas
ressoava um eco de desilusão, e tristeza. Será que ele teria que fazer algo mais? Ele
chamou-a vezes em conta. Ela nem reparou nele. Seria ele uma "sobra" de alguém? "Não quero
ser uma forma de vida tão triste que ninguém passe ao pé de mim com um sorriso na cara".
Então, ele decidiu que se Deus lhe havia dado a vida, ele trairia Deus, e toda a genTE. No
dia seguinte, ele gritaria o nome dela, tão alto quanto possível. Toda a gente haveria de
ouvir o nome dela, nem que ele deitasse para fora o coração de tanto gritar.
No dia seguinte ele não fez nada senão olhar para ela. Olhou e olhou outra vez... Olhou
tanta vez que a sua vista estava cansada. Mas ele não queria saber. Tentou ouvir cada
palavra dela, ainda que nada tivesse a ver com ele. Então, mesmo no fim do dia, ee levantou
a cabeça, fechou os olhos e gritou o nome dela tão alto que toda a gente se calou. Todos
olharam e reconheceram na voz dele um desespero enorme que nunca na vida pensaram poder
existir. Ela parou e viru-se para trás... Olhou para ele espantada. A boca dela tentou
soletrar algo, mas não foi capaz. Ela quis ir ter com aquele rapaz, em estado miserável.
Coberto de lágrimas. Mas sentiu-se puxada para dentro do carro pelo namorado. E foram
embora. Ela ainda o viu ir embora de cabeça baixa pelo vidro de trás. Ele pegou na mala que
estava no chão, meteu-a às costas e começou a andar para casa outra vez a penar nas
palavras que não ouviu e no sorriso que não viu. Em casa, pegou num papel e caneta e
escreveu um texto. Escreveu até não saber mais palavras e decidiu que no dia seguinte, não
tentaria mais falar-lhe. Não haveria dia seguinte. Nem o seguinte a esse dia. Não haveria
mais dias para ele.
Ela voltou-se na cama. Não conseguia dormir. Na sua cabeça estavam pensamentos acerca
daquele rapaz triste e cansado a gritar de braços abertos. Quem seria ele? Porque gritara o
nome dela? A forma como ele olhou para ela, com as lágrimas nos olhos... havia lgo naquele
rapaz que ela queria saber. No dia seguinte, ela ia procurá-lo na escola. E ia falar com
ele.
No dia seguinte, na escola, um rapaz deprimido passou todo o dia a esconder-se de uma
rapariga que o procurava incessantemente. A rapriga que ele queria tanto procurava-o. Ele
fugia dela. Não fazia ideia do irónico que aquilo era. Escondeu-se em todos os ditios que
conhecia na escola. Ela procurou em todos, apenas na altura errada. Ao fim do dia, ela o
esperou ali, à porta da escola. Esperou tanto que lhe doiam as pernas, mas não saiu dali.
Ele havia de passar ali. Mas não passava. Ele estava em cima de uma pedra mais alta que
todas as pedras daquele sitio. A faca que tinha na mão encontada ao pulso, reflectia as
lágrimas que ele deixava cair. Soluçava tanto que por cada suspiro que mandava, ela
esperava mais um minuto. Ele deixou deslizar a lâmina pelo pulso, e dou-lhe mais o coração
que o corte por onde o sangue jorrava. Tudo acabava ali. A vida dele, não tinha sentido sem
ela. Ele caiu daquela pedra maior que as outras e sentiu a cara bater contra o chão.
Deixou-se ficar. Sentiu o sangue cada vez mais lento enquanto jorrava. E sangrou até não
aguentar mais os olhos pesados. Olhou pela última vez para o mundo estupido que acabara de
abandonar. E viu lá bem ao fundo. O sol, a pôr-se. Caiu a noite, e ele não mais respirou.
Caiu a noite, e uma silhueta atraente de uma rapariga linda podia ser vista a ir-se a
embora para casa, desiludida.
O que não se pode ter, é sempre aquilo que mais se deseja... adoro-te
VC